Emanuelle e Kauã são exemplos de atletas que estão sendo moldados para competir na elite do esporte; professor e psicóloga alertam sobre equilíbrio

Quem repara a aparente delicadeza da pequena Emanuelle, de 10 anos, não percebe tratar-se de uma pequena joia do jiu-jitsu brasileiro. Manu coleciona medalhas. Até hoje, ela competiu em 17 campeonatos, subindo ao pódio em 16 deles, o que fez dela líder em sua categoria no ranking da Federação Brasileira de Mixed Martial Arts (FBMMA) com apenas dois anos de tatame.

Estudante da quinta série do Ensino Fundamental e moradora no bairro Ipiranga, zona Norte de Ribeirão Preto, a menina conta que havia acompanhado a mãe a uma aula de crossfit quando conheceu o esporte de luta. “Estava tendo uma aula de jiu-jitsu e eu falei pra minha mãe que eu queria tentar”, lembra. Até então, ela praticava balé clássico, mas depois disso nunca mais vestiu tutu ou collant. As sapatilhas deram lugar ao quimono e à faixa, que foi mudando de cor na mesma velocidade que o armário se enchia de medalhas.

O início

“No começo, a gente ficou meio apreensivo, porque ela é pequena, menina, e um esporte de luta às vezes pode machucar. Mas depois a gente se acostumou e hoje a incentiva, tanto que a irmã mais nova da Manu, que está com 5 anos, já começou a treinar”, conta, orgulhoso, Graziani Paulino da Silva, pai da dupla de lutadoras.

Depois de alguns meses treinando, Manu foi notada e escalada para competir integrando a equipe da academia. Ela também compete pela Secretaria Municipal de Esportes de Ribeirão Preto. Os treinos e as inscrições nos torneios são, na maior parte das vezes, custeadas. Mas, apesar do sucesso e do potencial em evidência, Manu ainda não conseguiu apoio para as viagens e competições que acontecem fora da cidade. Ela se qualificou, por exemplo, para o Pan de Jiu-jitsu, que ocorre em julho nos Estados Unidos, mas não vai conseguir competir por ainda não ter o visto americano nem os recursos necessários para a viagem. Agora, a família tenta buscar ajuda para cumprir a agenda nacional de competições.

No dia 22 de junho, Manu brigará por medalha no Campeonato Brasileiro de Crianças, em Barueri. Depois, há torneios internacionais em Curitiba (PR) e Vitória (ES). “Começamos uma corrida contra o tempo para tentar viabilizar a participação da Manu nesses torneios em outros estados e a manutenção dela no topo”, conta Graziani, que trabalha como carteiro e acompanha a filha nas competições.


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JUDOCA DESDE OS 3 ANOS

O potencial esportivo é notado cada vez mais cedo, como no caso do judoca Kauã Fernandez Zanirato, que aos 14 anos já é considerado um experiente atleta. Ele teve seu primeiro contato com o esporte aos 3 anos de idade, assim que entrou em uma escolinha particular. “Tinha algumas atividades extracurriculares e uma delas era o judô. A gente levou ele pra fazer uma aula e ver o que achava. Hoje é a grande paixão dele”, conta seu pai, Adriano Antonio Zanirato.

Quando tinha 7 anos, Kauã foi levado pelo professor de judô da escola para treinar na Cava do Bosque. Ele é federado desde então e passou a competir em torneios de alto rendimento. Tricampeão paulista em 2021, o jovem que mora com a família nos Campos Elíseos, em Ribeirão Preto, foi convidado a participar do projeto Corpore Sano Rumo ao Pódio, idealizado pelo professor de judô e faixa preta Cleber do Carmo. O projeto, que tem apoio federal graças à Lei de Incentivo ao Esporte, pinça potenciais atletas de elite e os prepara para tornarem-se atletas olímpicos. Atualmente, 80 meninos e meninas fazem parte do programa ao lado de Kauã.

Contrapartidas

Os alunos ganham toda a preparação física, estrutura de academia, inscrições nas competições e ajuda de custo para viagens em torneios reconhecidos pelo Ministério do Esporte. “Eu adoro treinar. Faço crossfit, funcional e treino focado na luta”, afirma Kauã. Seu sucesso despertou o interesse da irmã Laura, de 6 anos. “Ela treinou por um ano e meio na mesma academia, chegou a competir e ganhar medalhas, mas machucou o nariz no fim do ano passado e resolveu parar com o judô”, explica o pai. Para piorar, a menina quebrou o braço em um acidente em um escorregador, recentemente, durante uma festa infantil.

Na maioria das vezes, o sonho de atletas mirins que competem em alto rendimento é seguir como atletas profissionais e chegar a uma Olimpíada. “Também tenho um sonho de abrir uma academia de judô”, conta Kauã. Manu vai mais longe, quer ter um projeto social para democratizar o jiu-jitsu.

QUALIDADE DE VIDA

Apesar do foco nas rotinas de competições e treinos, as famílias dos atletas mirins garantem que não há pressão por resultados. “É claro que ninguém gosta de perder, principalmente eles, mas tentamos fazer de tudo para proporcionar um ambiente sem pressão e saudável”, conta Graziani.

“Fico nervosa antes de competir, mas depois me solto e dou o meu melhor”, confessa Manu. Já Kauã diz não sentir pressão nenhuma. “Eu sou muito organizado. E até por isso acho que não sinto na hora de competir. É bastante natural mesmo”, afirma.

A psicóloga Danielle Zeoti alerta, porém, que a infância é um processo necessário. “Todo atleta de elite começou a preparação cedo, isso é fato e acontece cada vez mais cedo. Mas precisamos garantir que a criança tenha o tempo do brincar. Já é bem complicado exercitar a imaginação em tempos de internet, mas o faz-de-conta é muito importante para o desenvolvimento de qualquer pessoa”, explica.

O professor de jiu-jitsu Paulo Turet acredita que o esporte é uma ferramenta de transformação e “proporciona o ensino de valores essenciais, como autocontrole, disciplina e autoestima”. Ele lidera há dois anos um projeto de treinamento de artes marciais para crianças. “Foi um processo natural. A gente começou pensando em oferecer uma oportunidade de atividade física saudável, mas alguns alunos se destacaram no circuito regional e compreendemos a importância da competição para mantê-los motivados e focados em seu desenvolvimento”, explica. “É preciso ter cuidado e garantir que o processo seja divertido e prazeroso, sem aliviar nos treinos, pois a alta performance exige dedicação mental, física e técnica. Acreditamos que 60% do sucesso de um atleta, mesmo criança, vem do aspecto mental”, acrescenta Turet.

“Percebemos que há cada vez mais a inclusão do profissional de saúde mental na rotina do atleta. Isso é uma mudança positiva. Não há atleta de alto rendimento sem acompanhamento psicológico”, acredita Zeoti, que atende jovens atletas que precisam equilibrar a cobrança por resultados e a qualidade de vida em uma fase de formação.

“Existem fases que precisam ser respeitadas. A infância é cada vez menor. Meninos e meninas de 10 anos já se consideram adolescentes, enquanto a adolescência cada vez mais é alongada. Existem especialistas que consideram que essa fase vai até os 24 anos. É preciso viver essas fases com iguais, pares, amigos, troca de experiências. E às vezes a dedicação excessiva que o esporte pode exigir acaba privando alguns desses momentos”, pondera.

EQUILÍBRIO

Equilibrar a vida escolar com a prática esportiva é um desafio considerável para jovens atletas como Manu e Kauã. A rotina exige uma excelente gestão de tempo e apoio da família, professores e técnicos. Além da cobrança por resultados, outra preocupação é com o estudo.

Um dia comum na vida da pequena lutadora começa cedo, com aulas na escola pela manhã e atividades escolares à tarde, seguidas pelos treinos intensivos de jiu-jitsu. Mesmo com a carga de estudos e treinos, ela destaca a importância de manter o foco em ambas as áreas. “Conciliar escola e treinos é um desafio maior em época de provas, mas fora isso é bem tranquilo me organizar”.

Kauã, por outro lado, adota uma abordagem meticulosa e organizada para garantir que suas obrigações escolares não sejam comprometidas pelo esporte. Ele acredita que o planejamento é essencial para equilibrar as duas áreas. “Eu tento fazer todas as tarefas da escola logo que chego em casa, para não acumular”, diz. Além disso, ele procura sempre manter um diálogo aberto com seus professores, explicando sua agenda esportiva para que eles possam entender sua situação e fornecer o suporte necessário.

Papel fundamental

Os pais também desempenham papel fundamental nesse equilíbrio. Eles não só incentivam seus filhos a perseguirem seus sonhos esportivos, como também a manterem um bom desempenho acadêmico. Graziani, pai de Manu, enfatiza a importância de estabelecer uma rotina bem definida e incentivar momentos de lazer e descanso para evitar o esgotamento. “Nós tentamos garantir que ela tenha tempo para ser criança, brincar e se divertir, além de cumprir com suas responsabilidades na escola e nos treinos”, explica.

As instituições de ensino e esportivas também podem colaborar significativamente para ajudar esses jovens a manter o equilíbrio. Programas de tutorias, flexibilização de horários e suporte psicológico são algumas das medidas que podem ser adotadas para facilitar a vida desses atletas. Com o apoio adequado, é possível garantir que Manu, Kauã e outros jovens talentos possam se desenvolver plenamente em ambas as áreas, alcançando sucesso tanto nos esportes quanto na vida acadêmica.

Vencendo ou não, o fundamental é praticar esportes e fazer o que se gosta.

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